domingo, 6 de janeiro de 2013

Fun Home: Uma Tragicomédia Familiar


Fun Home surpreendeu-me. Não há dúvida que grandes autobiografias estão a ser publicadas em português no formato “Graphic Novel”! Blankets, Persepolis e Fun Home.
Será inevitável comparações entre estes três livros, visto que a base é a mesma, mas penso que nenhum deles é comparável. As três vidas contadas não têm grande coisa em comum… a única coisa que podemos comparar é o trabalho artístico, e mesmo assim todos são a preto & branco. O trabalho de desenho, bem, cada um deles tem o seu estilo e todos eles funcionam bem para o que se pretende. Mais estilizado em Persepolis, mais trabalhado em Blankets. Fun Home fica a no meio…

O que eu acho verdadeiramente impressionante em livros deste género é a abertura de coração e alma dos escritores/desenhadores, sim, porque nestes três casos apenas existe uma pessoa a trabalhar a escrita e a estendê-la e liga-la aos seus desenhos.
Alison Bechdel abre a sua vida a toda a gente. Uma vida familiar falsa, aliás, uma família completamente destruturada. Mas os protagonistas são mesmo Alison e o seu pai Bruce Bechdel.
Esta é a base deste livro. A relação entre um homem que nunca saiu “saiu do armário” e uma rapariga que muito cedo assumiu publicamente a sua homossexualidade.
A acção é lenta, cheia de pormenores emocionais que se vão espalhando pelas vinhetas até ao culminar da morte do pai. Mesmo aí, depois da morte do pai, Alison volta constantemente atrás consoante a sua visão deste vai mudando conforme ela vai crescendo. É uma história que vai andando em círculos até à sua página final. Esta página final culmina e ata tudo o que se vai contando durante todo o livro. Esta última página emocionalmente é magistral, na minha opinião!

Bechdel vai contando a sua infância e início de adolescência, sempre relacionando o seu pai com todas as suas transformações inerentes ao seu crescimento como mulher. Mesmo no relacionamento com a sua mãe e irmãos, a figura central é o pai! Tudo isto contado muitas vezes com um humor bastante negro…

Outra coisa muito interessante é a maneira de como ela vai descobrindo o seu pai através dos livros que ele lhe dá para ler, ao mesmo tempo que ela própria no despontar do seu lesbianismo inicia a leitura de outros que têm a ver mais com a sua inclinação sexual…
Temos páginas de acção em que estas seguem o seu rumo narrativo normal, com as respectivas falas quase normais, mas em pensamento estão as comparações entre as acções do pai e os livros que ele lhe deu para ler. Saliento neste caso os autores Proust e, Kate Millet, James Joyce, Gabrielle Collet e o incontornável Oscar Wild que acompanham estas duas personagens um pouco por todo o livro.
Passagens de livros destes autores dão bastante volume aos pensamentos e interacções entre pai e filha!

Algumas frases…
“Pensava que eu pensava que ele era paneleiro, ao passo que ele sabia que eu sabia que ele era.”

“Se houve alguém mais maricas que o meu pai, foi Marcel Proust.”
A BD tende por vezes a ser “narrada” pesadamente retirando muito do valor narrativo dos desenhos. Bechdel consegue articular muito bem este peso, evitando redundâncias nas suas vinhetas ou páginas e tornando-as mais ricas com estes “apêndices narrativos”. Eles não estão ali por acaso, estão ali para explicar algo de uma maneira diferente. É uma autobiografia, como tal é suposto ter-mos muitos pensamentos não ”ditos”, ou escondidos. É aí que entra o narrador (na 1ª pessoa) e é aí que Alison mostra o seu valor narrativo equilibrando Alison narradora, com a Alison desenhada em discurso directo. Textos muito bem escritos, desenhos extremamente eficazes… não são feios, não são bonitos. São apenas úteis nesta autobiografia e transmitem a carga emocional precisa para prender o leitor.

Tenho de fazer uma pequena referência às fotos desenhadas. Estas fotos dão uma grande força gráfica à narrativa. São usadas quanto baste, e num estilo bastante mais realista que o resto! Pormenores! E estes livros são feitos de pormenores…


No fim este livro resume-se à tentativa de compreensão do pai pela autora. Unidos por um laço, o laço da homossexualidade, mas nunca se abrindo directamente um com o outro, excepto numa página. É um laço surdo, mudo e por vezes cego.

É um livro bastante aconselhável! E se neste livro de memórias, sim, considero este livro mais de memórias do que autobiografia o foco é a relação entre pai e filha, espero que a Contraponto publique também “Are You My Mother? – A Comic Drama” em que a relação entre Alison e a sua mãe irá ser dissecada. A mãe de Alison é uma mulher amante das artes: leitora compulsiva, amante de música e actriz amadora.

Por falar em compulsão… este livro está repleto de acções obsessivo-compulsivas nos seus actores principais (extremamente bem retratados): Alison e Bruce!

Já agora, Alison Bechdel era conhecida como autora antes deste livro com "The Essential Dykes to Watch Out For" e também posso dizer que este Fun Home demorou quase sete anos de pesquisa!

O Leituras de BD recomenda este livro.

TPB
Criado por: Alison Bechdel
Editado em 2012 pela Contraponto
Nota: 8,5 em 10

10 comentários:

  1. Já li este livro há algum tempo, acho que foi lançado em Setembro.

    Gostei bastante dele, apesar de ter de admitir que me falta "bagagem literária" para acompanhar os pormenores da narrativa de Alison Bechdel e relação desta com os pais. Tal como mencionaste, existem referências a vários autores como Proust, Kate Millet, James Joyce, Gabrielle Collet e Oscar Wilde.

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  2. CF
    Eu gostei da leitura!
    E tem muito para ler! Muitas referências e por vezes quase que se tem de investigar para perceber alguns pensamentos de Alison que estão muito ligados a referências literárias. Aliás a literatura anda de mão dada com a BD neste livro!
    ;)

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  3. Eu achei tanto Blankets, Persepolis bem fraquitas se estas for no mesmo genero,não vale o preço.

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  4. Optimus
    as 3 são diferentes umas das outras. as 3 muito boas!
    Quanto ao resto... gostar ou não gostar é uma questão de sensibilidade!
    :P

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  5. das minhas leituras favoritas do ano passado.

    abraço

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  6. Loot
    Só o li este ano... era um dos que estavam na lista dos "não ainda lidos" do ano passado e este fim de semana resolvi pegar nele.
    Como digo no texto, este livro surpreendeu-me! Não estava à espera de gostar tanto do livro!
    ;)

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  7. Achei um livro bem instigante, a arte é bem interessante!

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  8. Tenho-o para ler há algumas valentes semanas mas ainda não me deu para isso. Vou ver se o faço em breve.

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  9. Guy Santos
    É um livro muiti interessante, sim!
    Vale a pena ler.
    ;)

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  10. SAM
    Não é muito fácil de ler devido às inúmeras referências literárias, mas é uma boa leitura sem dúvida!
    Não é fácil fazer autobiografias em BD interessantes e ultimamente em Portugal temos tido algumas!
    :)

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