quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Super-heróis à francesa II: O universo fantástico da Lug



Continuando a história dos super-heróis franceses, falando da mais prolífica editora de petits formats, a Éditions Lug. A editora tinha um nome inspirado no antigo nome da cidade de Lyon, Lugdunum, e Lyon era a base da maioria das editoras deste tipo de revistas. A Lug ficou conhecida no início por editar material italiano, nomeadamente Tex, mas também por ter sido a primeira editora a lançar a Marvel Comics em França e, mais importante em termos culturais, por ter criado o primeiro universo francês com personagens partilhadas.

A Éditions Lug foi fundada em 1950 por Alban Vistel e Marcel Navarro, com o primeiro a ter a seu cargo a gestão da companhia e o segundo a preocupar-se com a área editorial. Navarro aproveitou a sua amizade com Gianluigi Bonelli, fundador da editora italiana Audace (que depois se transformaria na Sergio Bonelli Editore), para lançar várias revistas com personagens western, a antologia Rodéo, que foi publicada de 1951 a 2003, durando um recorde de 628 números, e os heróis Plutos e Tex em título próprio. Em 1952 apareceram ainda os títulos humorísticos Pipo e Pim Pam Poum e a série de aventura Kiwi, onde o marinheiro Blek, da editora italiana SGS, era o herói principal.

No entanto, nos anos 60, Navarro resolveu diversificar a publicação com personagens próprias, ainda que os entregasse depois a escritores e desenhadores italianos para produzir as histórias. O primeiro surgiu em 1963 e chamava-se Zembla, um clone de Tarzan, feito para rivalizar com o italiano Akim. Ironicamente, Navarro contratou o mesmo artista criador de Akim, Augusto Pedrazza, para ilustrar as histórias de Zembla. Zembla foi um caso de sucesso, estreando-se na antologia Kiwi antes de passar, a seguir da sua segunda história, para título próprio, que durou 479 números até 1994.

Alguns dos heróis iniciais da Lug eram mais parecidos com aventureiros de ficção científica, combatentes do crime, ou westerns, mas com alguma inspiração em super-heróis, como era o caso dos cowboys Rakar, de Ivo Pavone, e Drago, de Carlo Cedroni. O sucesso de Zembla levou à criação de outro clone de Tarzan, Tanka, por Yves Mondet. Silver Shadow (com o nome em inglês no original), de Giorgio Trevisan, e Gun Gallon, de Lina Buffolente, faziam do tempo e espaço os lugares das suas missões. Dick Demon, de Ivo Pavone, e Morgane, de Pier Carpi e Arnoldo Rosin, tinham poderes mágicos. Em simultâneo, foram lançadas novas antologias, incluindo Yuma, Ombrax, Baroud e Mustang.

Entretanto, antes do final dos anos 60, mais coisas iriam mudar. Em 1969, Claude Vistel, filha de Alban Vistel, regressou de Nova York com os direitos de publicação de várias personagens da Marvel Comics na mala, que chegaram a França pela primeira vez. Títulos como Strange, com 350 números, Nova, com 227 números, ou Titans, com 215 números, foram os maiores sucessos, em alguns casos passando a fronteira dos petits formats para o formato americano a cores e até persistindo depois da perda dos direitos da Marvel, em 1996. Mas um dos títulos que deixou mais saudades foi a lendária revista Fantask, onde eram publicados o Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, e que durou apenas sete números, sucumbindo à censura imposta pela infame lei de 16 de Julho de 1949.

A chegada da Marvel inspirou Navarro a fazer mais criações, começando logo em 1969 com a revista Wampus, em que a personagem principal, com o mesmo nome, era um terrível monstro extradimensional, com a capacidade de possuir corpos humanos, e que tinha como opositor na Terra o agente secreto Jean Sten. Navarro entregou a produção a Franco Frescura e Luciano Bernasconi. A segunda história da revista era de Mister Song, um agente secreto da agência C.L.A.S.H., um acrónimo semelhante ao da S.H.I.E.L.D. da Marvel , com argumento de Frescura e arte de Trevisan, que colocaram Song a enfrentar a organização Crimen. Wampus também foi vítima da censura francesa, durando apenas seis números.

Navarro não desistiu e foi criando novos heróis, especialmente na revista Futura, lançada em 1972. Durou apenas 33 números, mas introduziu uma grande variedade de personagens, incluindo o telepata Jaleb, de Claude Legrand e Annibale Casabianca, o polícia alienígena Homicron (semelhante ao Lanterna Verde e preso no corpo de um humano), de Buffolente e Paolo Morisi, Sibilla (jornalista combatente do crime), de Pier Carpi e Bernasconi, e Jeff Sullivan, um clone de Doc Savage com superpoderes, feito por Legrand e Bernasconi. A revista Mustang, por seu lado, passou brevemente dos westerns para os super-heróis e deu origem a personagens como Starlock, que juntava elementos de Jeff Sullivan e Homicron, Cosmo, um herói espacial, Mikros, com poderes insectóides, e Photonik, com poderes baseados em luz. Navarro, usando o pseudónimo Malcolm Naughton, trabalhou directamente no argumento de algumas histórias. Legrand e Bernasconi também criaram um herói bárbaro em revista própria, Kabur, que durou apenas seis números, e que incluía o herói alienígena Le Gladiateur de Bronze como história extra. Todas estas personagens faziam parte de um universo partilhado que fazia referências constantes aos eventos uns dos outros, ainda que os crossovers directos fossem inexistentes.

Depois de uma doença prolongada de Vistel e da reforma de Navarro, a Éditions Lug foi vendida ao grupo escandinavo Semic em 1994, e a divisão de BD mudou de nome para Sémic S.A., terminando com as histórias originais francesas. Em 1999, já depois da mudança de foco da Marvel para a WildStorm, a redacção mudou-se de Lyon para Paris, e o novo editor, Thierry Mornet, juntou-se ao experiente Jean-Marc Lofficier para ressuscitar os vários heróis da Lug. Zembla, Wampus e Kabur voltaram às bancas, assim como La Brigade Temporelle, Sibilla e Phenix. Lofficier aproveitou a interacção ainda maior da cronologia para criar equivalentes aos Vingadores, o grupo governamental Hexagon, liderado por Sullivan, e Strangers (em inglês no original), reunindo Homicron, Starlock e Jaleb, o transmorfo Jaydee e a misteriosa Futura, sob a liderança de Tanka. Durante esta fase, Lofficier e Dave Stevens criaram o primeiro crossover entre personagens de BD francesa e da BD americana, um confronto curto entre Wampus e Nexus. Luciano Bernasconi regressou à actividade como artista, mas nomes como Jean-Jacques Dzialowski, Manuel García, Javier Pina, Stéphane Roux e o brasileiro Marcelo di Chiara foram alguns dos artistas envolvidos.

Em 2003, a primeira mini-série dos Strangers foi editada nos Estados Unidos pela Image Comics, seguindo-se um crossover de Sibilla e Phénix com Witchblade, da Top Cow, mas o sucesso foi sol de pouca dura. Com o mercado de revistas de BD de França dominado pela Panini, que tinha os direitos da Marvel e da DC, a Sémic S.A. fechou portas em 2004. Lofficier, um dos poucos franceses que trabalha dos dois lados do Atlântico, liderou um grupo de artistas para fundar o sindicato Hexagon Comics, recuperando os direitos de autor para os criadores. A Hexagon não só reeditou o material clássico em edições integrais e o mais recente na Comixology, como também produz também novas histórias ocasionalmente, mantendo vivo o único universo francês de super-heróis.

Esta rubrica voltará brevemente, para falarmos da prolífica editora de petits formats Aventures & Voyages, com destaque para a revista de ficção científica Antarès.





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